quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
Uma ligeira parada, um olhar sobre o caminho feito.
Há completos trinta anos algo em minha vida mudou. Esta mudança era insuspeita para aquela menina de dezoito anos iniciando uma vida independente, cheia de sonhos e receios.
Foi em 1984 que, somado ao descortinar de um mundo muito maior do que o experimentado até então, entrou em minha vida algo que a transformou sem volta.
Nestes anos muitas dificuldades, dúvidas e questionamentos, nada menos que permanentes, sobre o caminho pessoal e coletivo e também algumas perdas, -- sacrifícios de inocência.
No entanto, para além das vitórias e contentamentos que esta vida também traz, sempre que consulto meu peito lá encontro a mesma alegria, o mesmo entusiasmo, a mesma convicção.
Pois é, há trinta anos encontrei forma de satisfazer a intrínseca necessidade humana de transcender, fazer da minha existência algo para além de si própria e dela me alimento cada dia de forma mais madura, sabendo que sempre haverá ainda tanto por fazer, tanto ainda por aprender.
São anos que tenho a agradecer a tantos companheiros, deste e de outro país, -- tantos que vieram antes, todos os que virão depois, porque estou convicta que partilhar é a única e verdadeira forma de ser uno.
No ano em que o povo brasileiro deu voz ao sonho de liberdade eu, depois de meses de debates (muitas vezes acalorados), leituras, participação em lutas históricas, decidi abraçar o Marxismo-leninismo e ingressar nas fileiras do Partido Comunista do Brasil. Anos mais tarde também no Partido Comunista Português, onde pude aprender tanto e, principalmente, reaprender coisas essenciais.
Tornei-me comunista, e isto tem para mim um significado imperecível. Desde então encontrei esta forma de exercer um intenso amor, não importa o quão dura e desigual seja a luta. Desde então sinto-me mais um daqueles que são os portadores do amanhecer de um mundo novo, justo e comum.
Obrigada a todos os meus camaradas, com quem tanto aprendi e ainda aprendo.
Em 2015, e em todos os anos que virão, estou certa, um pedaço a mais do sonho humano de felicidade virá da nossa luta.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Uma proposta...
Imagine por um instante que você está na sua casa, tocando
sua vida, trabalhando, cuidando da família. A vida é dura, mas você segue as
regras, cumpre os rituais e as leis da religião ancestral que seus pais lhe
ensinaram desde pequeno e julga que está garantindo seu lugar no infinito.
Um dia, ao sair para o trabalho, você se depara com um casal
e uma criança estrangeiros dormindo na sua porta. Acha estranho, mas segue seu
caminho. Na volta, cansado, no final da tarde, já encontra a família alojada no
seu jardim. Vai falar com eles, reclama e fica sabendo que eles não têm outro
lugar para ir. Foram expulsos e perseguidos em todos os lugares em que
estiveram e ali, justo no seu jardim, é o lugar onde os antepassados deles
viveram e onde moram suas memórias de um lugar seguro. Embora um pouco
contrariado, você os deixa ficar ali, afinal você não é desumano.
Assim passam alguns dias e eles vão se instalando melhor...
o jardim já não é seu e você tem alguma dificuldade em sair e entrar em casa.
Você está preocupado com esta situação e vai solicitar aos órgãos competentes
uma solução.
Imagine então que chegam à sua casa autoridades importantes
com a determinação de que aquela família não pode ficar ali ao relento. Você
concorda, imaginando que finalmente virá uma solução para o problema. A solução
apresentada, temporariamente, é que você os receba em um dos três quartos da
sua casa, enquanto as autoridades vão buscar a melhor solução. Sem ter como
reagir, você concorda. O quarto escolhido é o de três dos seus filhos que
passam a ter que dormir na sala. Claro que estes filhos ficam muito aborrecidos
e reclamam muito, xingam, mas você os convence que é uma situação temporária e
que tudo vai se resolver, afinal a casa é sua e ninguém vai mudar isso.
E, assim, a família se instala naquele quarto e, como é
óbvio, usam também o banheiro, a cozinha, a área de serviço e a sala. Tudo bem,
é um transtorno, mas tudo vai se resolver logo.
Ao princípio, embora a situação seja um pouco tensa, a
convivência é razoavelmente pacífica, com exceção de alguns conflitos entre os
novos moradores e seus filhos, nada muito grave.
Você continua esperando a tal solução e vai quase todos os
dias aos órgãos competentes. Seus hóspedes não parecem fazer nenhum movimento
para sair da sua casa e, pelo contrário, estão cada vez mais à vontade. Eles
professam outra religião, falam outra língua e têm outros costumes e começam a
haver algumas dificuldades. Negociações são feitas, mas eles nunca cumprem o
combinado.
Justamente quando você começa a ficar farto daquela situação
e está decidido e exigir que eles saiam da sua casa, ao chegar do trabalho
encontra o mais novo dos seus filhos do lado de fora, com um olho roxo e muito
zangado. Fica sabendo que chegaram à sua casa três jovens parentes dos
estranhos com um papel das autoridades dizendo que estavam autorizados a ficar
lá também, só que achando o espaço do quarto insuficiente, se instalaram no
quarto das meninas e jogaram as coisas delas na sala. De quebra, as
desrespeitaram e assediaram rindo de seus costumes. O seu filho mais novo não
se conteve e os enfrentou. Foi surrado e humilhado e estava até impedido de
entrar em casa.
Você já está nervoso. Entra na sua casa disposto a colocar
um fim naquela situação e o que você vê lhe deixa estarrecido. Seus móveis
foram retirados e em lugar deles estão os móveis dos estrangeiros. Violaram
seus símbolos religiosos e jogaram tudo dentro do único quarto que você pode
agora ocupar. Os estrangeiros dizem também que não admitem mais que seus filhos
durmam na sala e toda a sua família deve
ficar apenas no seu quarto. Você acha que é um pesadelo e que aquelas pessoas
estão loucas. Sai às pressas para procurar a polícia e descobre que o posto
policial também está ocupado por estrangeiros.
Você e seus filhos estão ali, confinados e desesperados. Os
estrangeiros na sua casa estabelecem regras e você e sua família só podem sair
e entrar com a autorização deles. Chegam mais parentes deles e agora todos
olham para vocês como inimigos.
Estão todos ali, sem saber direito como agir. Os estranhos
mandam em tudo e vocês só podem usar o banheiro, preparar sua comida, entrar ou
sair depois que eles autorizam. Se alguém reclama é esbofeteado imediatamente e
se for mais grave surrado até cair. Fora de sua casa os estranhos contam
histórias terríveis sobre como você e sua família são loucos, fanáticos e fazem filmes e noticiários para convencer o mundo disto.
Um de seus filhos não aguenta mais a situação e, desobedecendo
as ordens, sai do quarto e agride um dos estranhos na tentativa de chegar à
cozinha. Os estranhos, que já são em grande número e já ocuparam as casas
vizinhas, em que os antigos moradores ou fugiram ou vivem encarcerados como vocês,
sem maior cerimônia, matam seu filho como exemplo contra outras tentativas de
desafio.
Você e sua família não aguentam mais. Ninguém os ouve ou
retira da sua casa aqueles estranhos.Não há mais para onde fugir. Percebem que estão sozinhos e terão que
lutar para sobreviver. Começam a atirar pedras e pedaços de móveis nos
estranhos, conseguem ferir alguns que em retaliação invadem o seu quarto e começam a metralhar... primeiro as suas crianças e a seguir toda a
sua família.
Imagine, apenas imagine...
terça-feira, 2 de março de 2010
Em Tempo...
Aqui, onde tudo começa, vive-se um momento em que parece estranho e absurdo um mundo em que não precisaremos nos separar por cercas, muros ou linhas imaginárias, sejam de que tipos forem.
Aqui, por onde vivo meus dias, fabricaram-se e reproduziram-se as leis da separação dos homens.
Este espaço é o testemunho de quem, acreditando na natureza humana, vive entre desumanidades que separam e esmagam.
Meu esforço será registrar um olhar por sobre os meus próprios limites, tentando enxergar além dos limites do meu tempo, esperando e lutando para que, mais cedo do que tarde, se torne obsoleto esse tempo de fronteiras.
Aqui, por onde vivo meus dias, fabricaram-se e reproduziram-se as leis da separação dos homens.
Este espaço é o testemunho de quem, acreditando na natureza humana, vive entre desumanidades que separam e esmagam.
Meu esforço será registrar um olhar por sobre os meus próprios limites, tentando enxergar além dos limites do meu tempo, esperando e lutando para que, mais cedo do que tarde, se torne obsoleto esse tempo de fronteiras.
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